JOSÉ BONIFÁCIO – UMA CONCEPÇÃO POLÍTICO-ESTRATÉGICA DE NAÇÃO

 

Cel Veterano (EB) Raul José de Abreu Sturari

 

José Bonifácio – A Fundação da Pátria, obra de Eduardo de Sá (Fonte: Toda a Matéria – https://www.todamateria.com.br/jose-bonifacio/)

 

A Nação brasileira vive, hoje, uma conjuntura política intrincada, onde os absurdos casos de corrupção generalizada deram lugar a sucessivas agressões à Carta Magna, justamente por instituições que a deveriam defendê-la, apoiadas por significativa parcela da grande mídia e por facções políticas desejosas da volta ao antigo status quo. Nesse panorama, parte da população pensa em resistir, enquanto outros segmentos, confusos ou desinformados, tocam a vida sem maiores esperanças de melhorias.

A ocasião enseja o resgate, no passado, da imagem de José Bonifácio de Andrada e Silva, como mais importante estadista de sua época e criador de uma bem-sucedida concepção político-estratégica do Brasil como país independente.

Nasceu em Santos, SP, em 13 de junho de 1763. Após destacar-se como estudante adolescente, foi enviado por seu pai para Portugal, uma vez que os cursos superiores eram proibidos, na colônia, em um sistema que ficou conhecido como “clausura intelectual”. Explica-se: a melhor maneira de manter um povo subjugado ainda é, em pleno século XXI, impedir que seus cidadãos tenham livre acesso ao conhecimento.

Em Coimbra, graduou-se em Direito Civil, Filosofia e estudou Ciências Naturais, com estágios em universidades da França, Itália, Alemanha, Dinamarca e Suécia. Em 1801, tornou-se o primeiro catedrático de Metalurgia da Universidade de Coimbra, de onde se projetou como integrante de diversas entidades científicas da Europa. Como pesquisador, descreveu doze novos minerais e, em sua homenagem, foi dado o nome de andradita a uma variedade cálcio-ferrosa de granada. Homem de extraordinária cultura, falava e escrevia, correntemente, em francês, grego, latim, alemão e inglês.

Em 1807, com a invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas, participou da resistência comandando, no posto de tenente-coronel, o Corpo Acadêmico, enquanto a Família Real buscava refúgio em sua colônia no continente americano. Somente em 1819 regressou ao Brasil, já dotado de ideias próprias quanto ao melhor cenário futuro para a Nação. Aqui, encontrou um clima de efervescente agitação política, que rapidamente o envolveu.

Já como vice-presidente da Junta Governativa de S. Paulo, em 1821, José Bonifácio foi o autor do famoso ofício dos paulistas a D. Pedro, pedindo sua permanência no Brasil. Sua projeção logo se fez sentir nas cortes e, após o “Fico”, em janeiro de 1822, foi convidado pelo Príncipe Regente para assumir o Ministério do Reino e de Estrangeiros.

Como membro ativo da maçonaria, foi o primeiro Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, em 17 de junho de 2022 — idealizado como uma das molas propulsoras da Independência. Suas ideias, contudo, não eram unanimemente aceitas, pois a elas se contrapunha o grupo liderado por Gonçalves Ledo, Primeiro-Vigilante do GOB, propugnando por uma monarquia constitucional, talvez como início de um caminho de transição para uma república democrática, nos moldes norte-americanos.

Todavia, a concepção político-estratégica de José Bonifácio era diferente. Acompanhava cerradamente os movimentos separatistas no Novo Mundo, vendo esfacelarem-se as colônias hispano-americanas e, com elas, os sonhos do libertador Bolívar.

A política aponta o que fazer; a estratégia o como fazer. Politicamente, era preciso manter a América portuguesa unida, em uma conjuntura adversa: a unidade territorial, na prática, não existia, uma vez que as províncias só eram acessíveis pela navegação de cabotagem; a metrópole estava enfraquecida pelos acontecimentos na Europa; diversos movimentos separatistas, no nordeste e no sul, indicavam que as forças centrífugas estavam se avolumando; desenhava-se, no médio horizonte temporal, a possibilidade do surgimento de líderes regionais que, a exemplo dos caudilhos hispânicos, poderiam promover a independência de províncias e regiões.

Entendeu o estadista que, estrategicamente, só seria possível manter a América portuguesa unida caso houvesse uma independência com união brasílico-lusa, ao invés do rompimento definitivo. Além disso, a monarquia tendendo para o absolutismo era o melhor regime de Estado para a jovem Nação emancipada – uma vez que, segundo os costumes e a cultura da época, o imperador representava um ícone de legitimidade e uma referência para a união dos contrários.

Com os adeptos dessa corrente de ideias, José Bonifácio fundou também o Apostolado, sociedade secreta semelhante à carbonária europeia, com a finalidade primordial de promover a independência do Brasil.

Na condição de ministro plenipotenciário, que logo adquiriu, sua gestão político-estratégica foi brilhante. Segundo José Castellani,

conquistou, para a causa emancipadora, os representantes da Áustria e da Inglaterra; ordenou ao Chanceler-Mor (cargo correspondente ao de ministro da Justiça) que não publicasse lei alguma vinda de Portugal, sem primeiro submetê-la à sua aprovação e à do príncipe; nomeou um cônsul brasileiro para Londres, declarando, ao gabinete inglês, que só tal funcionário poderia, então, liberar navios que se destinassem ao Brasil; enviou emissários às províncias do norte, a fim de congregá-las para a causa da independência; aliciou conspiradores em Pernambuco, no Maranhão, no Rio Grande do Norte, na Bahia e no Pará, para que se rebelassem, na hora exata, contra a metrópole lusitana, aderindo ao Poder Central; reorganizou o erário; iniciou D. Pedro na maçonaria, onde seria celeremente guindado ao cargo de Grão-Mestre; por intermédio de seu irmão Martim, formou um novo Exército e contratou, para a obra de construção da Marinha de Guerra, o marujo e aventureiro Lord Cochrane. Esses fatos são todos documentados, inclusive em uma importante edição do Senado Federal, denominada A Obra Política de José Bonifácio (1973)[i].

Após a independência, em outubro de 1822, exacerbaram-se as hostilidades entre os grupos de José Bonifácio e Ledo, culminando com a deportação de Ledo e de vários de seus liderados. Cerca de um ano depois, porém, seria a vez do próprio José Bonifácio ser preso e desterrado, acusado de conspiração.

Sete anos depois, contudo, o Imperador promovia o regresso do estadista ao Brasil, reaproximando-o da corte a ponto de nomeá-lo, após a abdicação, como tutor do futuro D. Pedro II. Em 1832, foi destituído da tutoria, acusado de tentar promover a recolonização do Brasil junto a Portugal. Foi processado e posteriormente absolvido, por unanimidade. Faleceu em 1838, em Niterói.

Sua vida foi pontilhada de importantes realizações, passando para a história como o Patriarca da Independência. É lícito afirmar, porém, que seu maior legado vai além da simples emancipação política do Brasil, pois logrou, com acurada visão prospectiva, a idealização e a implantação um modelo de nação capaz de se manter unida durante as conturbadas décadas que se seguiram.

 

O Patriarca da Independência – obra de Benedito Calixto (Fonte: Toda a Matéria)

Essa concepção político-estratégica de José Bonifácio permitiu realizar, na colônia lusitana, o sonho que Simon Bolívar viu frustrado, ao tentar unir as colônias hispânicas na América.

Herdamos, assim, um país de proporções continentais, organizado em privilegiada base territorial, com uma população ordeira e sem quistos raciais. E, especialmente para os desiludidos, vale afirmar, resolutamente, que os graves problemas político-sociais que nos assolam têm solução. Falta-nos, talvez, mais alguns estadistas da estirpe de José Bonifácio.

 

(*) Presidente do Instituto SAGRES – Política e Gestão Estratégica Aplicadas.

[i] CASTELLANI, José. A maçonaria brasileira na década da Abolição e da República. disponível em http://www.culturabrasil.pro.br/zip/maconarianobrasil.pdf. Consulta feita em 15 Ago 05.

 

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